PSD/CDS, Comissão Europeia e media
manipulam opinião pública

Políticas de «austeridade»<br>hipotecaram futuro do País

Eugénio Rosa

A gi­gan­tesca ope­ração de chan­tagem e de ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica a que temos as­sis­tido em Por­tugal pro­mo­vida pela di­reita e pela Co­missão Eu­ro­peia a pro­pó­sito do cha­mado dé­fice es­tru­tural – e que tem tido, in­fe­liz­mente, a co­la­bo­ração de muitos jor­na­listas/​co­men­ta­dores que, na mai­oria das vezes, se li­mitam a am­pliar aquilo que lhes é dito (trans­for­mando-a numa «questão de vida ou de morte» que tem de ser res­pei­tada, pro­cu­rando as­sustar os por­tu­gueses e opondo-se, de facto, à me­lhoria da vida dos por­tu­gueses), o que re­vela falta de ob­je­ti­vi­dade e rigor –, tem criado a ideia falsa de que a Co­missão Eu­ro­peia tem po­deres para se so­brepor à von­tade dos por­tu­gueses ex­pressa pela As­sem­bleia da Re­pú­blica e para impor san­ções vi­o­lentas.

Entre o fim de 2010 e o 3.º tri­mestre de 2015, a po­pu­lação ativa por­tu­guesa di­mi­nuiu em 6,9 por cento (-385 600 ha­bi­tantes), mas a po­pu­lação ativa com a idade entre os 25 e 34 anos re­duziu-se em 23,5 por cento

Apesar disso não ser ver­dade, os media têm pro­cu­rado vei­cular essa ideia. Esta chan­tagem e ma­ni­pu­lação torna-se clara se se co­nhecer a forma como são cal­cu­lados os va­lores uti­li­zados para de­ter­minar o dé­fice es­tru­tural. Este é ob­tido di­vi­dindo o «saldo es­tru­tural» pelo «PIB po­ten­cial», va­lores que são pouco ri­go­rosos e que va­riam (so­frem adap­ta­ções) ao sabor das von­tades po­lí­ticas como iremos ver.

O pri­meiro – saldo es­tru­tural – obtém-se do dé­fice or­ça­mental (di­fe­rença entre as re­ceitas e as des­pesas das Ad­mi­nis­tra­ções Pú­blicas) de­du­zindo o efeito cí­clico (aquele que re­sulta da con­jun­tura eco­nó­mica; por ex., au­mento da des­pesa com sub­sí­dios de de­sem­prego cau­sada por uma crise eco­nó­mica con­jun­tural o que é di­fícil cal­cular com rigor) e o efeito das me­didas ex­tra­or­di­ná­rias e tem­po­rá­rias (por ex. corte nos sa­lá­rios da Função Pú­blica, so­bre­taxa de IRS, CES, que o go­verno PSD/​CDS e a Co­missão Eu­ro­peia con­si­de­raram er­ra­da­mente como me­didas es­tru­tu­rais e per­ma­nentes, quando o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal as ti­nham de­cla­rado tem­po­rá­rias; mais uma prova da hi­po­crisia da Co­missão Eu­ro­peia e da di­reita que diz uma coisa em Por­tugal e outra em Bru­xelas).

A falta de rigor nos va­lores assim ob­tidos é evi­dente, a que se soma ainda a ma­ni­pu­lação da CE e da di­reita ao con­si­de­rarem como es­tru­tural aquilo que não o era.

O se­gundo – PIB po­ten­cial – cor­res­ponde à ri­queza que se cri­aria no País num ano se todos os tra­ba­lha­dores es­ti­vessem a tra­ba­lhar (deduz-se apenas o cha­mado «de­sem­prego na­tural»), e se todos os ou­tros meios de pro­dução (equi­pa­mentos, etc.) que existem no País fossem uti­li­zados em pleno. Por­tanto, é um valor di­fe­rente do PIB di­vul­gado pelo INE em cada ano já que uma uti­li­zação plena de todos os re­cursos do País nor­mal­mente não acon­tece, para mais num pe­ríodo de grave crise eco­nó­mica como é a atual. É também, como é evi­dente, di­fícil de obter um valor ri­go­roso, pois o re­sul­tado final também de­pende de fa­tores ima­te­riais como são a or­ga­ni­zação e li­de­rança nas em­presas.

Fi­nal­mente, quanto maior for o valor do PIB po­ten­cial menor será a per­cen­tagem que se obtém di­vi­dindo o saldo es­tru­tural pelo PIB po­ten­cial. Du­rante o pe­ríodo da troika e do go­verno PSD/​CDS as­sistiu-se, como con­sequência de uma po­lí­tica de aus­te­ri­dade cega, à des­truição de uma par­cela im­por­tante da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva do País, o que de­ter­minou uma re­dução sig­ni­fi­ca­tiva do PIB po­ten­cial como o Grá­fico 1, cons­truído com dados da AMECO (uma base de dados da Co­missão Eu­ro­peia), re­vela.

A preços de 2010, entre 2010 e 2015, por­tanto du­rante o pe­ríodo da troika e do go­verno PSD/​CDS, o PIB po­ten­cial di­mi­nuiu, em Por­tugal, de 181 287 mi­lhões de euros para 176 162 mi­lhões de euros (-5125 mi­lhões de euros). Esta quebra, por um lado, con­tribui para o au­mento do dé­fice es­tru­tural (se temos um mesmo valor a di­vidir por uma base menor, a per­cen­tagem que se obtém é maior) e, por outro lado, hi­po­tecou o de­sen­vol­vi­mento fu­turo do País pois re­sultou da des­truição de uma par­cela da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva na­ci­onal (a re­cu­pe­ração e cres­ci­mento da eco­nomia de­pende da ca­pa­ci­dade ins­ta­lada) que os dados do INE do Quadro 1 tornam evi­dente.


Como re­velam os dados do INE, com a en­trada da troika e do go­verno PSD/​CDS ve­ri­ficou-se uma quebra muito grande do in­ves­ti­mento em Por­tugal. De uma si­tu­ação em que o in­ves­ti­mento era su­pe­rior ao valor do des­gaste pro­vo­cado pela sua uti­li­zação (em 2010, o in­ves­ti­mento total foi su­pe­rior ao valor do des­gaste em 5972,4 mi­lhões de euros e, em 2011, foi ainda su­pe­rior em 1022,9 mi­lhões de euros), passou-se para uma si­tu­ação con­trária em que o valor anual do in­ves­ti­mento feito em cada ano foi in­fe­rior ao valor do des­gaste anual (em 2012: -3879,5 mi­lhões de euros; em 2013: -5370,8 mi­lhões de euros; e 2014: -4707­mi­lhões de euros ).

Se­gundo o INE, em três anos (2012/​2014, os anos da troika e do go­verno PSD/​CDS) o valor do in­ves­ti­mento total feito no País (76 561,2 mi­lhões de euros) foi in­fe­rior ao des­gaste dos equi­pa­mentos no País cau­sados pela sua uti­li­zação (90 618,5 mi­lhões de euros) em 13 957,3 mi­lhões de euros. Por ou­tras pa­la­vras, o in­ves­ti­mento du­rante o pe­ríodo da troika e do go­verno PSD/​CDS nem foi su­fi­ci­ente para re­novar/​subs­ti­tuir o equi­pa­mento que se des­gas­tava e en­ve­lhecia. E PSD/​CDS ainda têm a ou­sadia de afirmar que a sua po­lí­tica es­tava a atrair os in­ves­ti­dores (re­corde-se a tão ba­da­lada «di­plo­macia eco­nó­mica» de Paulo Portas).

Nos anos da troika e do go­verno PSD/​CDS re­gistou-se uma grande des­truição da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva do País, com re­flexos pro­fun­da­mente ne­ga­tivos quer no cha­mado PIB po­ten­cial quer na re­cu­pe­ração e cres­ci­mento eco­nó­mico fu­turo.

Um País mais velho e mais pobre

Mas ainda mais grave foi o que su­cedeu ao nível das pes­soas: cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses qua­li­fi­cados ti­veram de aban­donar o País por causa da po­lí­tica da troika e do go­verno PSD/​CDS.

A po­lí­tica cega de aus­te­ri­dade im­posta ao País pela troika e pelo go­verno PSD/​CDS pro­vocou a re­cessão eco­nó­mica, a fa­lência de mi­lhares de em­presas, e a des­truição de cen­tenas de mi­lhares de postos de tra­balho. Os qua­dros mais jo­vens e mais qua­li­fi­cados, muitos deles saídos das uni­ver­si­dades, con­fron­taram-se com a im­pos­si­bi­li­dade de ar­ranjar em­prego, e quando o con­se­guiam era, na sua mai­oria, mal pago (pouco acima do sa­lário mí­nimo) e muitas vezes tra­balho des­qua­li­fi­cado. Assim, cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses (mais de 300 000 no pe­ríodo da «troika» e do go­verno PSD/​CDS) foram obri­gados a aban­donar o País (mem­bros do go­verno até lhes che­garam a dizer para «aban­do­narem a sua zona de con­forto») e a ir para ou­tros países em busca de um em­prego e uma re­mu­ne­ração digna que lhes era re­cu­sada no seu pró­prio País, indo criar ri­queza com o seu tra­balho e saber para ou­tros países quando eram tão ne­ces­sá­rios em Por­tugal.

Se­gundo o INE, entre o fim de 2010 e o 3.º tri­mestre de 2015, a po­pu­lação ativa por­tu­guesa di­mi­nuiu em 6,9 por cento (-385 600 ha­bi­tantes), mas a po­pu­lação ativa com a idade entre os 25 e 34 anos re­duziu-se em 23,5 por cento (-333 700 ha­bi­tantes). A po­pu­lação mais jovem, com me­lhor qua­li­fi­cação paga pelo Or­ça­mento do Es­tado por­tu­guês e na idade mais pro­du­tiva, teve de aban­donar o País de­vido a uma po­lí­tica ver­da­dei­ra­mente «cri­mi­nosa» que deixou marcas ir­re­ver­sí­veis ou que di­fi­cil­mente serão re­cu­pe­radas, de­vido ao facto de muitos destes por­tu­gueses aca­barem por cons­ti­tuir a sua vida nou­tros países e a não re­gressar, tor­nando mais di­fícil a re­cu­pe­ração eco­nó­mica e o de­sen­vol­vi­mento fu­turo do País, mas con­tri­buindo para o de ou­tros países. Desta forma também o PIB po­ten­cial foi pro­fun­da­mente afe­tado pois o re­curso mais im­por­tante de um país são as pes­soas, no­me­a­da­mente as mais jo­vens e qua­li­fi­cadas. E assim o nosso País ficou mais velho, menos qua­li­fi­cado e mais pobre.